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As origens apócrifas do cristianismo
Apresentação
1 Abrindo as portas das origens
2 O Evangelho de Maria Madalena
MM 7,1-10: a matéria MM 7,11-28: o pecado
MM 8,1-10: harmonia MM 8,11-24: bem-aventurado
MM 9,1-20: o beijo MM 10,1-25: o tesouro
MM 15,1-25; os climas MM 17,1-20: a preferida
MM 18,1-21: Meu irmão Pedro MM 19,1-3: anunciar o evangelho
3 O Evangelho de Tomé
Texto, datação e autoria Gênero Literário e conteúdo
Personagens Evangelho de Tomé e o de João
A não-dualidade O Reino do Pai
Evangelho de Tomé e os sinóticos Tomé e Maria Madalena
4 A outra Maria, mãe de Jesus, segundo os apócrifos
Os pais de Maria A infância de Maria Maria deixa o Templo
Maria em Nazaré A caminho Entre Belém, Egito e Nazaré
A morte de Jesus O anúncio da morte O dia em que Maria morreu
A procissão Maria no túmulo Resumo
5 A história de José nos evangelhos apócrifos
6 A infância de Jesus nos apócrifos
7 Conclusão
8 Bibliografia básica para o estudo dos apócrifos

A relação entre o evangelho de Tomé e o de João[]

Assim como o evangelho de Maria Madalena, o de Tomé está em estreita relação com o evangelho de João. Todos são considerados gnósticos. Tratam de temas que faziam parte do ensinamento gnóstico. Alguns estudiosos procuram defender o evangelho de Maria Madalena e Tomé, procurando explicações que justifiquem o não gnosticismo desses evangelhos. Nós acreditamos que o gnosticismo desses evangelhos é uma coisa positiva. Ela não faz parte da corrente gnóstica dualista e maniqueísta, que os cristãos rejeitavam. O gnosticismo dos evangelhos de Maria Madalena, Tomé e joão tem como princípio a integração do masculino e feminino em cada ser humano. Jesus ressuscitado é a luz que habita dentro de nós e que nos coloca no caminho de Deus. Somos matéria que se decomporá para voltar à origem, ao princípio de tudo.

Jesus, na perspectiva gnóstica do evangelho de Tomé, é um sábio que caminha como os discípulos. É um mestre que não fala de si mesmo, mas que ensina palavras portadoras de vida para os seus discípulos. Jesus é um vidente (ressuscitado e glorificado) que comunica palavras de vida, as quais levam o discípulo a tomar consciência de si mesmo, a conhecer-se e caminhar para a realização plena do seu ser. Jesus é Salvador. Suas palavras evitam a morte definitiva de quem as observa.

Tendo em vista essa relação estreita entre os evangelhos de Tomé e João, vamos lê-los em conjunto. Selecionamos alguns temas para o nosso estudo. Antes, porém, vejamos um quadro sinótico dos textos de Tomé que aparecem em João. Tomé os copiou de joão? Quem é mais antigo? Talvez não tenhamos a resposta exata para essas questões. Basta considerar a relação entre o pensamento das comunidades de Tomé e de João, guardado na escrita de cada texto. Que cada um tire as suas próprias conclusões.

Tomé João Conteúdo
1 8,51-52; 5,24 Quem crê, ouve, guarda, interpreta a Palavra e não morrerá
4 17,20-23 Torna-se Um
18 20,15 Permanecer na ressurreição como princípio e fim de tudo
19 8,58;5,24 Ser antes de existir, antes de Abraão
22 Jesus e Deus são UM
23 6,70; 13,28 Jesus escolhe os seus discípulos
24 1,9 Luz
27 3,5; 6,46; 14,9 Encontrar e entrar no Reino e ver o Pai
28 4,13-15 Ter sede da água eterna
30 10,34 Deuses
31 4,44 ninguém é profeta na sua própria terra
33 10,9 Interior e exterior
34 9,39-41 Cegueira interior
37 6,19-20 Não ter medo
38 7,33-34; 8,21; 13,33; 16,16 Dia em que Jesus será procurado e não mais será encontrado entre o povo
40 15,1-2.5-6 Permanecer em Jesus-videira para não ser arrancado
43 8,25 Quem é Jesus?
47 2,10 Vinho velho e novo
49 8,42; 16,27-28 Sair do Pai e para ele voltar
50 12,36 Somos filhos da Luz
51 5,25 Jesus veio e não foi reconhecido pelos mortos
52 1,45 Os profetas falaram de Jesus
53 4,24 Deus deve ser adorado em Espírito e Verdade
56 1,10 Conhecer o mundo e o mundo não o reconheceu
59 8,21; 12,21; 16,16 Ver Jesus
71 2,19 Destruir a casa/templo e não mais poderão ser reconstruídos
77 8,12 Jesus é a luz do mundo
78 8,32 Conhecer a verdade para se libertar
91 6,30; 7,3-5.27-28; 14,8-9 Necessidade de sinais para conhecer Jesus
105 8,18-19.41-44 Conhecer o Pai
108 7,37; 6,53 Beber da boca de Jesus
111 8,51 Quem vive do Vidente, não conhecerá o medo e nem a morte
114 20,1-18 Maria Madalena

O quadro acima nos mostra que os evangelhos de Tomé e João ensinavam pensamentos gnósticos. Os membros dessas comunidades eram interpelados a:

  • ser intérpretes (hermeneutas) da Palavra, a conhecê-la profundamente para, assim, não conhecer a morte;
  • Conhecer a Palavra, Jesus, o Pai e a Verdade para se libertar da morte;
  • saber que Jesus e Deus são Um. Jesus veio do Pai e para Ele há de voltar;
  • acreditar que Jesus é a Luz;
  • manter a sede de Deus e beber da vida que jorra de Jesus;
  • reconhecer que ninguém é profeta na sua própria terra;
  • reconhecer que temos uma cegueira interna que nos impede de chegar ao conhecimento da verdade;
  • afastar o medo da morte;
  • permanecer um Jesus para não perder a salvação;
  • saber que não há necessidade de sinais visíveis para acreditar em Jesus como Verdade.

Além desses ensinamentos gnósticos, é notório o fato das comunidades dos evangelhos de João e Maria Madalena terem escolhido Maria Madalena para fechar seus escritos (Jo 20,1-18 e Tomé 114). O que isso significa? João e Maria Madalena formavam uma única comunidade? Sim e não. Maria Madalena, a mulher que soube integrar dentro de si o masculino e o feminino, que fez a experiência do Vidente (Jesus glorioso e ressuscitado), foi, por isso, escolhida para anunciar a ressurreição do Mestre. E quem conhecer e anunciar os ensinamentos de Jesus será salvo. Como vimos anteriormente, o evangelho a ser anunciado passa a ser o de Maria Madalena. Jesus vive dentro dela. Quem puder compreenda e se torne qual outra Maria Madalena, qual outro Jesus.

Tomé 1 e Jo 5,24; 8,51-52: quem compreende as palavras de Jesus não morrerá[]

Em relação à compreensão das palavras proferidas por Jesus, as comunidades de Tomé e João afirmamSeguimos a tradução proposta por Jean-Yves Leloup, O evangelho de Tomé, Vozes: Petrópolis, 2000:

Tomé 1 Jo 5,24 Jo 8,51-52
Ele disse: Aquele que vier a ser o hermeneuta destas palavras não provará a morte Em verdade, em verdade, vos digo: quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não vem a julgamento, mas passou da morte à vida. Em verdade, em verdade, vos digo: se alguém guardar a minha palavra, jamais verá a morte. Disseram-lhe os judeus: Agora sabemos que tens um demônio. Abraão morreu, os profetas também, mas tu dizes: Se alguém guardar a minha palavra jamais provará a morte.
Os textos de João acima conforme a Bíblia de Jerusalém

As comunidades de Tomé e João sabem que compreender as palavras de Jesus significa interpretá-las corretamente. Fazer-se o hermeneuta das palavras do Mestre é provar no ser a profundidade da mensagem ensinada por Jesus. É fazer-se um seguidor fiel das palavras de vida. Assim, a morte não terá lugar no dia-a-dia de uma vida mortal. E isso é já viver eternamente. É estar de bem com a vida. Ser um bem amado por mim mesmo e pelos que me rodeiam. E isso também se chama viver em sintonia com a vida. Quem compreende essas palavras é já um ressuscitado.

A comunidade joanina usa os verbos crer, escutar e guardar. Na verdade, eles dizem a mesma coisa. O bom intérprete é aquele que sabe escutar, crê na mensagem e a guarda no coração, isto é, a pratica com vigor. Para esses a morte não tem vez. Os judeus chamaram Jesus de demônio ('δαιμονιον'), pois ele semeava a discórdia e a mentira. Abraão e os profetas morreram. Como pode alguém afirmar que a morte não existe? Em nossos dias, um grupo de cientistas holandeses fez uma pesquisa com pacientes em estados terminais, que experimentaram a morte clínica de 15 segundos a 45 minutos, e voltaram a viver. As experiências feitas por eles são incríveis. Um paciente chegou a relatar que havia estado em uma rua do centro da cidade, conversado com uma pessoa acidentada e depois se lembrou que devia voltar para o hospital. Outro relatou que conversou com uma mulher no quarto ao lado. Em todos os dois casos o fato real foi comprovado: aconteceu um acidente na rua mencionada e no mesmo instante em que o paciente fora considerado clinicamente morto. O acidentado morreu. Havia uma mulher no quarto do lado que, naquele momento, estava também clinicamente morta. Esses exemplos e tantos outros levaram os cientistas a acreditarem na possibilidade de vida após a morte. Como isso acontece, a ciência não sabe explicar.

jesus, ao dizer que quem interpreta as suas palavras não provará a morte, não estaria falando da vida eterna? Sim. Ele falava da vida já e ainda não. Viver nesse mistério prolonga a vida, a eterniza. Jesus soube transformar em atos a Presença de Deus. Nós somos chamados a fazer o mesmo.

Tomé 24 e Jo 1,9-10; 9,5; 12,35-36: eu sou a luz que ilumina o mundo inteiro[]

Tomé 24 Jo 1,9-10 Jo 9,5 Jo 12,35-36
Disseram os discípulos: indica-nos o lugar onde estás; com efeito, devemos ir a sua procura. Ele lhes respondeu: quem tem ouvidos, ouça" Há luz no íntimo de um homem de luz e ele ilumina o mundo inteiro. Se não iluminar, tudo estará nas trevas. Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina. Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. Por pouco tempo a luz está entre vós. Caminhais enquanto tendes luz, credes na luz, para vos tornardes filhos da luz.

Os discípulos, ao pedirem a Jesus que indique o lugar onde ele está, demonstram que não haviam que não haviam compreendido o sentido de Jesus-Luz para os seus passos. Jesus responde: a luz que cada um tem dentro de si é a presença de Deus que ilumina quem está nas trevas. Jesus é a luz verdadeira que veio ao mundo. Pena que o mundo não o reconheceu. Para tornar-se luz como Jesus, é necessário que acreditemos na luz. Cada discípulo(a) é chamado a caminhar na luz. Essa é uma decisão pessoal. A luz está no íntimo de cada um. Quem não ilumina, produz trevas para todos que estão à sua volta. Jesus tinha consciência que ele era a luz do mundo. A sua presença era passageira. Quem viu e creu na Luz, tornou-se um filho da Luz. A comunidade entendeu que todo batizado é um filho da Luz. Por isso, ele deve viver como Jesus viveu. Sim eu quero que a luz de Deus que um dia em mim brilhou, jamais se esconda e não se apague o seu fulgor, cantam as nossas comunidades eclesiais.

O pensamento judaico uniu luz à ressurreição. É o que podemos perceber no significado do substantivo hebraico hôr, que significa luz e está relacionado com um osso que temos na base da espinha, daí chamá-lo de osso luz e redefinir hôr como osso indestrutível, em forma de amêndoa, na base da espinha, em forma do qual um novo corpo se formará na ressurreição dos mortos. Esse osso sobrevive à desintegração do coro após o sepultamento, mas pode ser danificado se houver cremação. Nos tempos rabínicos o 'osso luz' foi testado na prática pelos que duvidavam da ressurreição, e constatou-se que ele era capaz de resistir ao fogo, à água e a pancadas fortes. Não obstante, alega-se que as águas do tempo do dilúvio foram tão violentas que dissolveram o osso luz da ossada de Adão. Acredita-se que aqueles que se curvam a Deus durante a oração garantem um corpo ressuscitado, pois ao curvar a espinha estão estimulando o osso luzCf. Alan Unterman, Dicionário judaico de lendas e tradições, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p.158. Os judeus, por isso desenvolveram a prática de rezarem curvando e balançando o próprio corpo. Com esse gesto todo o corpo recebe luz do hôr. Os cristãos, procurando reler esse modo de pensar, ensinaram que o ressuscitado está sempre de pé, em forma ereta, a irradiar a luz que dele emana para todos quantos dele se aproximam para conhecê-lo e vivê-lo intensamente.